terça-feira, abril 26, 2011

REVISTA NOVA ESCOLA EQUIVOCA-SE SOBRE A LUDICIDADE

A prestigiosa revista NOVA ESCOLA de número 240, em sua matéria de capa "Idéias que jogam contra o ensino", marcou um retumbante gol contra ao afirmar ser um mito o fato de que “Os alunos aprendem mais quando a atividade é lúdica” (14a afirmação da lista, na página 43). Ela sustenta que “atividades dinâmicas e divertidas” não garantem necessariamente o esforço cognitivo, força de vontade, disciplina, concentração e dedicação em sala.

O que a revista não explicita, contudo, é qual proposição pedagógica garante todas as condições acima descritas! Há algum método educacional ainda não divulgado que as assegure peremptoriamente?

Causou-me espécie a revista exigir isto da ludicidade, desqualificando-a sumariamente como recurso pedagógico, pois ao que me consta, não há qualquer consenso na pedagogia até o presente momento, sobre um método que ofereça tais garantias – muito pelo contrário. Tudo o que se percebe atualmente, com certeza, é que a aula tradicional já não garante nada disso.

Supor que o esforço, a força de vontade, a disciplina, a concentração e a dedicação obtidas pela ameaça da reprovação, serão suficientes para obter a apreensão de conhecimentos, é ignorar ou desconsiderar sumariamente a forma como o cérebro humano reage. Qualquer um que for instado a aprender para passar em provas, sem qualquer percepção de aplicabilidade do conhecimento recebido, interação direta ou interesse, tal como é feito hoje na maioria das escolas, obterá apenas uma brilhante nota no currículo, seguida pelo apagamento da informação em sua memória, no findar do período de testes. Terá um canudo na mão e uma cabeça vazia, já que a mente humana é extremamente eficaz no descartar de tudo o que não suscita envolvimento.

Desconsiderar o desejo e a curiosidade como molas mestras do aprendizado, tal como a matéria sugere ao desqualificar a ludicidade como meio de ministrar informação, é persistir no erro que vem levando o nosso ensino e o de muitos países, para o abismo. As afirmações do texto me lembraram o preconceituoso lema estampado na sala de aula do filme Mathilda: “Se você está se divertindo, é por que não está aprendendo”.

Mesmo a França que um dia já foi berço da educação, só faz afundar nas avaliações do Pisa, ao persistir na utilização dos mesmos princípios aplicados hoje em escolas brasileiras: aulas maçantes, onde o professor fala e os alunos devem escutar calados e imóveis em suas carteiras, um conteúdo pouco ou nada estimulante.

O aprendizado que conta com mais receptividade por parte dos alunos, é justamente aquele que propõe uma participação interativa, envolvente e prazerosa na relação com o conhecimento, pois a mente humana se mostra receptiva a qualquer tema que suscite interesse no indivíduo. Há inclusive uma área específica do cérebro com esta finalidade, o hipocampo, que atuando como detector de novidades, ativa o interesse e a atenção pela liberação de dopamina. Brincar com possibilidades é uma ação educacional efetiva, prazerosa e estimulante para alunos e mestres, que gabarita maior retenção do conhecimento recebido.

Não é preciso muito esforço para perceber a diferença que um pouco de interatividade produz no ensino. Basta pedir que cada pessoa se lembre das aulas que se tornaram relevantes em suas vidas, entre tantas outras, para que se descubra que o que as destacou das demais foi justamente alguma nova forma de interação proposta pelo mestre. Esta ação pode ter sido uma brincadeira, um novo ângulo de introduzir um conteúdo, uma abordagem inesperada pelos alunos ou um procedimento que implicava numa mudança no padrão formal de ensinar. Perceba então, que o que tornou tais conteúdos marcantes em sua memória, foi justamente aquilo que também apagou nesta, as demais aulas ministradas de forma tradicional.

Em vista do que já se consagra hoje no campo da neurociência do aprendizado, com a clara evidência da relação existente entre o prazer e a retenção do conhecimento, faz-se necessário uma urgente revisão dos conceitos (e preconceitos) sobre a ludicidade, para evitar que se continue propagando que esta é pouco útil como ferramenta de ensino.

Jogos, brinquedos, ferramentas e atividades lúdicas são sim, instrumentos de interação extraordinariamente úteis ao processo educacional, que podem e devem ser cada vez mais usados para aumentar a eficiência na transmissão de conteúdos.

Lucio Abbondati Junior

(Publicado também em www.programamultideias.blogspot.com)

2 Comments:

Blogger Jose Augusto Moreira Junior said...

Acho que vc nao entendeu direito o que a revista tentou dizer....pelo que entendi nao e chegando com qualquer atividade ludica que vc tera resultado em sala de aula, ela necessita estar baseada no seu projeto pedagogico, depende do preparo dos alunos para realizar a atividade e da capacidade do professor em transformar a atividade ludica em conhecimento. Muitos professores acreditam que apenas a atividade sendo ludica ja garante a otençãode conhecimento e a revista alerta que sem o devido preparo, isso nao e verdade.
Alguem acredita que por jogar D&D e possivel entender a idade media, mesmo removendo as criaturas fantasticas ou que o History of World ensina realmente a historia da civilização, eles sao instrumentos que devem ser combinados com outros metodos didaticos mais tradicionais para se obter um bom resultado

5:38 PM  
Blogger Lucio Abbondati Jr Lucia Vasconcellos Abbondati said...

Adoraria acreditar que a matéria tenha visto a questão pelo ângulo que você arrazoa, José Augusto, mas o chamariz na capa da revista afirma categoricamente, que a noção de que alunos aprendem mais quando uma atividade é lúdica, é apenas um mito.

A ludicidade não deveria ser apresentada como um antagonista à forma de ensino tradicional, já que é um meio para converter a transmissão de um conteúdo em algo prazeroso e desejável. Vender a idéia de que o ensino depende mais do esforço do que do interesse pelo conteúdo, é continuar a manter o aprendizado e o prazer separados.

Jogos são instrumentos e como qualquer ferramenta bem utilizada, podem produzir maravilhas em sala de aula, nas mãos dos verdadeiros mestres. Nas de acomodados ou incompetentes, produzem estragos.

O elemento mais importante da ludicidade para o ensino, reside em seu caráter de atração ao mesmo tempo prazerosa e instigante, que estimula a participação dos envolvidos e os motiva a prosseguir. Ela permite o resgate do aprendizado pela tentativa e erro, descartado em nossa forma de ensinar atual, algo que incentivou em nossas crianças e adultos, o receio de tentar. Errar faz parte da tentativa de se chegar ao acerto.

Concordo com você que entender um período histórico pelo jogar RPGs é muito improvável, talvez tanto quanto esperar a mesma compreensão com o tipo de aula que é ministrada nos colégios atuais. Haverá quem acredite que se possa entender completamente o que foi a idade média, pela simples obtenção de duas ou três resposta em prova, na forma como os conteúdos vêm sendo apresentados? Acho que não.

Usar a brincadeira em sala de aula para esquivar-se de apresentar conteúdos, é uma conduta tão ruim quanto apresentar conteúdos sem envolver qualquer ludicidade: ambos os procedimentos deixam de ensinar. Sem envolvimento não há aprendizado e o que resta é apenas a superação do obstáculo de se obter notas para passar. A velha máxima de Confúncio continua valendo, mesmo que poucas escolas a empreguem: Diga-me e eu esquecerei. Mostre-me e eu lembrarei. Envolva-me e eu entenderei.

Os RPGs não são nem os únicos, nem ou principais instrumentos da ludicidade. São apenas simuladores de situações limitadas, que permitem vivenciar em micro-escala um determinado contexto. O que os torna sedutores, contudo, é o fato de serem excelentes estimuladores da curiosidade, sobre qualquer tema. Eles abrem portas e convidam a aprender, nada mais. O que vai haver no interior de cada uma delas, vai continuar dependendo da maestria do professor.

Meu saudoso mestre de história, Roberto Paragó, nunca precisou de RPGs em suas aulas (eles sequer existiam à época). Ele nos fazia vivenciar cada momento com seus desafios e estímulos, num clima de pura ludicidade. Um vez dividiu a turma em duas e nominou um lado como o Eixo e o outro como os Aliados. Encenamos então a Segunda Guerra Mundial, em debates acalorados. Quando nos demos como certos de nossas verdades, ele inverteu os lados e nos fez defender o que atacamos e atacar o que defendemos, para termos os dois ângulos da questão. Mas mestres como ele ainda são a exceção, muitas vezes censurados por sua forma “diferente” de ensinar. Fui um dos alunos de Francisca Nóbrega (Xica), a extraordinária professora de literatura que não precisava de carteiras nem lista de presença, pois suas aulas eram concorridíssimas, disputadas pelos participantes a cada momento. Tivemos apenas um ano de aulas com ela, pois o colégio “premiou” sua competência com a dispensa, pela ludicidade que empregava. Como você pode ver, eles não foram esquecidos, nem o que ensinaram.

Um de meus trabalhos como palestrante é justamente desenvolver ferramentas lúdicas que possam adequar e transmitir informações de forma envolvente e transformadora, tanto para professores quanto para a área empresarial. Sei por experiência, o quanto a ludicidade é importante neste processo. Brincar é experimentar com possibilidades, com toda a riqueza que isso envolve.

Foi um prazer arrazoar esta questão com você.

2:31 PM  

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